Beata Lindalva


1. É para mim uma alegria verdadeiramente grande poder presidir durante a celebração eucarística, em nome do Santo Padre Bento XVI, ao solene rito da Beatificação da Irmã Lindalva: a primeira Filha da Caridade brasileira, a ser elevada às honras dos altares.
Desejo alegrar-me vivamente com a Igreja de Deus que está em São Salvador da Bahia, com as Filhas da Caridade das seis províncias brasileiras e, particularmente, com todo o Povo de Deus que encontrará nesta jovem religiosa do nosso tempo, o sentido de uma forte pertença, porque Lindalva é uma de nós. A sua família é uma das nossas famílias e hoje está aqui connosco. Uma mártir dos nossos dias, a ter como exemplo, em particular os jovens, pelo seu testemunho de simplicidade, de pureza, de alegria de viver, de doação a Cristo.
2. Num significativo capítulo da Exortação Apostólica Sacramentum caritatis,o Santo Padre Bento XVI sublinhou o nexo fundamental entre a celebração dos Divinos Mistérios e o testemunho de vida; entre a experiência de encontro com o Mistério de Deus, fonte de admiração profunda e de alegria interior e o dinamismo de um renovado empenho que nos leva a ser, efectivamente, “testemunhas do seu amor”. A Beata Lindalva, torna-nos hoje, mais do que nunca, convictos de que é precisamente o testemunho coerente e luminoso dos crentes “o meio com o qual a verdade do amor de Deus atinge o homem na história, convidando-o a acolher livremente esta novidade radical” (Sacramentum caritatis,, 85).
Ressoa assim, com toda a sua força, a recente exortação de Bento XVI a considerar mais do que nunca necessário “repropor o exemplo dos Mártires cristãos, seja da antiguidade, seja dos nossos dias, em cuja vida e em cujo testemunho, levado até à efusão do sangue, se manifesta de modo supremo o amor de Deus” (Mensagem aos participantes da XII sessão pública das Academias Pontifícias, 8 de Novembro de 2007).
3. Com a sua beatificação, a Igreja consagra hoje o holocausto cruento da Irmã Lindalva, que com certeza sabemos agora, poderá interceder por nós, a fim de que possamos seguir com ela os passos de Cristo juntamente com São Vicente de Paulo e Santa Luísa Marillac, para fazer nossa a chamada aos valores essenciais do sermos cristãos e consagrados: o amor absoluto e coerente por Cristo e o seu Evangelho, a opção carismática preferencial pelos mais pobres da terra, a oração como fecunda raiz escondida do nosso operar, o optimismo da esperança, a alegria espontânea que sempre deveria acompanhar o nosso testemunho no mundo.
4. A alguém que um dia lhe perguntou o segredo de tanta alegria, assim respondeu a Beata Lindalva: “O coração é meu e pode sofrer mas o rosto pertence aos outros e deve ser sorridente”.
Desejo a todos, e invoco do Senhor para cada um, aquela vitalidade alegre que sabia transmitir aos outros, que é talvez a herança mais fascinante de Lindalva, para saber contagiar quem nos está perto, com a alegria inefável que mergulha as suas raízes nos pés de Cristo Ressuscitado, conscientes de que enquanto filhos de Deus, somos todos chamados a ser santos e que a santidade é um caminho de liberdade para cada um.
Com profunda veneração, é-me grato transmitir-vos agora a paterna e apostólica bênção do Santo Padre Bento XVI, para que todos percorram este caminho exaltante e exigente em direcção à santidade.
 Lindalva Justo de Oliveira (1953-1993)
Nasceu em 20 de outubro de 1953 em Sitio Malhada da Areia, uma zona muito pobre do Estado de Rio Grande do Norte (Brasil). Era a sexta dos três irmãos. Foi batizada em 7 de janeiro de 1954. Em sua família aprendeu as primeiras noções da fé e orações cristãs. Seu pai lia com freqüência aos filhos a Bíblia e os levava na missa. Lindalva aprendeu com sua mãe a cuidar e ajudar as crianças pobres.
Ao final da escola primária, aos doze anos, fez a primeira Comunhão. Além de colaborar em casa ajudando a família prosseguiu nos estudos obtendo o curso de assistente administrativa. De 1978 a 1988 trabalhou como balconista em alguns comércios e também como caixa em um posto. Mandava para sua mãe, a maior parte do dinheiro que ganhava.
Na cidade de Natal, onde residia e trabalhava, comoçou a freqüentar a casa das Filhas de Caridade e o asilo dos velhos, onde realizam seu apostolado, dedicando-se generosamente as obras de voluntariado. A morte de seu pai por um câncer de abdômen, a quem assistiu amorosamente em seus últimos meses de vida, a impulsiounou a refletir sobre sua existência e a orientou a decisão de ajudar os pobres. Sem deixar de trabalhar, se inscreveu em um curso de enfermeira…Desde 1986 começou a freqüentar o movimento vocacional das Filhas de Caridade, participando regularmente dos encontros de formação e amadurecendo em seu coração o desejo de servir aos pobres.
Aos trinta e três anos, no fim de 1987, pediu a admissão no postulantado para dedicar-se totalmente ao serviço dos pobres e a seguir Jesus Cristo numa entrega mais radical. “Quero ter uma felicidade celestial”, declarou, “transbordar de alegria, ajudar ao próximo e fazer incansavelmente o bem.” Um mês depois de receber o sacramento do Crisma, em 28 de novmebro de 1987, chegou para ela a resposta positiva do provincial das Filhas de Caridade, e em 11 de fevereiro de 1988 começou o postulantado na casa provincial de Recife.
Durante este período foi muito edificante para todas as companheiras, destacando-se por sua disponibilidade e alegria com ao pobres. Se comprometeu ao serviço dos mais necessitados de uma favela, chegando inclusive a transportar tijolos para a construção de casas no bairro. Assim mesmo, levava uma intensa vida de oração.
Em 16 de julho de 1989, com outras cinco companheiras, iniciou o noviciado em Recife. Em 29 de janeiro de 1991 foi enviada a servir quarenta idosos de um asilo em Salvador na Bahia. A cordialidade e alegria com que tratava a todas as pessoas ganhou a estima das Irmãs, dos funcionários do asilo e das pessoas que assistia. Realizava os trabalhos mais humildes nos serviços dos idosos, ajudava materialmente e espiritualmente, fomentando neles a contínua recepção dos sacramentos. Cantava e orava com eles; os levava para passear. Contagiava a todos com o seu otimismo.
Em janeiro de 1993 chegou ao asilo um homem de 46 anos, Augusto da Silva Peixoto. Ainda que, não tivesse direito ao asilo por sua idade, havia ganhado uma recomendação para ser acolhido ali. Lindalva o tratava com a mesma cortezia que os demais hóspedes, mas este homem, de caráter difícil, se apaixonou pela jovem religiosa. Assim começou para ela um período de provas muito duro. Compreendendo as intenções de Augusto, tratou de fazê-lo entender que estava totalmente consagrada a Deus. Embora estivesse com medo desse homem, não quis deixar o asilo para não abandonar o serviço dos idosos. “Prefiro derramar meu sangue antes, do que ir”, confessou a uma das Irmãs.  
Ante o comportamento de Augusto, avisou ao diretor do serviço social do asilo; este chamou a atenção do homem, o qual prometeu se corrigir. Mas, nos dias anteriores a Semana Santa, cresceu a raiva e o ódio, assim como o desejo de vingar-se, chegando a elaborar um plano criminoso….
Na sexta-feira santa, 9 de Abril, as 4:30 da manhã, Lindalva participou da via-crucis na paróquia. Ao voltar ao asilo, foi como de costume ao pavilhão São Francisco para servir o café-da-manhã aos idosos. Se sentou, como sempre, detrás da mesa em que se serviam as comidas aos hóspedes, estava uma pequena porta com uma escada exterior que conduz ao jardim. Augusto esperou que a Lindalva estivesse servindo o café da manhã; chegou pela escada externa, abriu a porta e foi apunhalada por traz, em cima da clavícula e no pulmão. O homem, …seguiu ferindo-a em várias partes do corpo, enquanto os hóspedes, passado o primeiro momento de surpresa, trataram de intervir.
Augusto, brandindo a faca, detrás da mesa,  ameaçava a matar a quem chegasse perto. Perante os tribunais, o assassino declarou que a havia matado porque lhe havia rejeitado. No dia seguinte, o Sábado Santo, pela manhã, o arcebispo Cardeal Lucas Moreira Neves, ao celebrar a cerimônia fúnebre, colocou em relevo a coincidência da morte violenta da mártir Irmã Lindalva, que deu sua vida ao serviço dos pobres, e a paixão e morte de Cristo.